sábado, 7 de janeiro de 2012

História e Literatura

Por R. M. Pavani


Saudações, galera! 
Esse post é uma continuação dos anteriores Inspirações e Mais inspirações, mas também pode ser encarado como independente.

Bem, antes de entrarmos no assunto propriamente dito, terei de falar um pouco sobre a minha formação acadêmica e profissional. Sou Licenciado em História pela Universidade Federal do Espírito Santo, concluindo o curso em janeiro de 2007. Naquela ocasião, defendi a monografia intitulada: Intolerância e estigmatização social nos primórdios do cristianismo: a construção da instituição cristã a partir do combate às heresias. Alguns anos depois, fui aprovado no Programa de Pós-Graduação em História da mesma instituição, e no dia 2 de julho de 2010 defendi a dissertação de mestrado chamada Repensando o Conservadorismo Católico: Política, Religião e História em Juan Donoso Cortés. Com isso, obtive o grau de Mestre em História, na área de concentração: História Social das Relações Políticas.


Vocês podem me perguntar: "Pavani, para que isso tudo?" Primeiramente, procuro divulgar ao máximo o conhecimento histórico, sendo que muito poucas pessoas sabem pra que serve a história, ou melhor, para que serve se formar num curso em História, mais ainda, num Mestrado em História. Isso se deve, em parte, à negligência da academia, que não se preocupa muito em divulgar para a comunidade os conhecimentos e os avanços nas pesquisas que são obtidas por lá. Da mesma forma, se deve a uma certa ignorância por parte de algumas pessoas, que pensam que história é, apenas e tão somente, um "contar causos", de qualquer forma, como qualquer um poderia fazer. Além é claro, de estarem mergulhadas em um preconceito bastante antigo contra a classe magisterial.

Sim. Via de regra, o professor, seja ele qual for (e o professor de história não é exceção) é visto como um "pobre coitado" ou então como um "carrasco". Mas isso já é assunto para outras conversas. O fato é que, se o sujeito que se forma no curso de história vai virar professor, e a carreira de professor não é bem vista (ganha-se pouco, etc.), evidentemente a carreira de historiador e o curso a que este serve também são menosprezados. Isso se deve a uma série de fatores, em especial o desprestígio do conhecimento acadêmico, teórico, das ciências humanas em geral, e da história em particular.
Certa vez, um professor meu nos disse que, se perguntassem a você, para que serve a História, você deveria responder apenas: "para nada!" No momento em questão, há quase 10 anos atrás, não entendemos muito bem o que ele dizia. Chegamos até a ter algumas discussões e desentendimentos por causa disso. Na realidade, se a história serve para alguma coisa, ela se encontra no campo da subjetividade, isto é, ela irá servir para o que você acha que ela serve.

Vejamos, a história já foi usada muitas vezes para propôr projetos políticos (como nos debates intelectuais do século XIX), para exterminar etnias (como na conquista europeia do continente americano nos séculos XVI e XVII, ou no imperialismo afro-asiático no século XIX), para divertir (como fizeram e fazem muitos diretores de cinema, com seus filmes épicos, desde o século XX até hoje), e também para refletir sobre a condição humana, seja através da filosofia ou das artes, em especial, a literária.

Os romances históricos nascem, com esse nome, nos finais do século XVIII e início do século XIX: Ivanhoé (Walter Scott); Os Três Mosqueteiros, O Homem da Máscara de Ferro, O conde de Monte Cristo (Alexander Dumas). Mais recentemente, temos O nome da Rosa (Umberto Eco) e a série de sete livros sobre a dinastia franca dos capetíngios chamada Os reis malditos (Maurice Druon), para citar somente alguns nomes. Aliás, recomendo a leitura de todos.

A grande questão é que muitos autores recorrem a um cenário que está no passado (imaginado por ele, é claro), de modo a debater questões que estão no presente. Todo escritor escreve sobre valores, emoções, reflexões que está observando. Todos os homens pertencem a seu próprio tempo. Os escritores não são exceção. Se pegarmos o exemplo de Walter Scott, veremos que, apesar do autor estar escrevendo a respeito da Inglaterra do século XII e de Ricardo Coração de Leão, ele, na realidade, está tentando construir para o seu público de leitores do século XIX, as bases sob as quais o povo inglês se sustenta (Scott era escocês, mas escrevia para um público inglês). Como se houvesse uma continuidade entre aqueles tempos medievais e o seu presente. Como se, da mesma forma, a identidade dos ingleses fosse obtida por meio desses elementos ancestrais: a força, a honra, a bravura, a temperança, etc.

Se vamos escrever sobre uma época que não é a nossa, apesar de estarmos limitados ao nosso pensamento contemporâneo, devemos entender que aquilo que estamos retratando, imaginando ou narrando se trata de um universo completamente distinto do nosso: são valores, sentimentos, categorias sociais, comportamentos, absolutamente distintos. Como daqui a uns duzentos anos (se o mundo não acabar até lá...), as sociedades que forem criadas terão valores, sentimentos, categorias sociais, comportamentos, distintos nos nossos, homens do século XIX. As coisas mudam. Pra isso serve a história.

A tentação em pensar que as formas de pensar sempre foram as mesmas, desde o Paleolítico Superior até o Governo Dilma Rousseff são muito grandes. O público, em geral, acredita que, o que diferencia as pessoas de uma determinada época passada para a nossa, são as suas roupas, a maneira de criarem os filhos, os cultos religiosos, só para citar alguns exemplos. E, quando isso acontece, quase sempre se avalia a época em questão como "inferior", "bárbara", "atrasada", etc. Como se o mundo contemporâneo fosse o supra-sumo da evolução da espécie humana.
Não poderíamos viver em uma outra época, por mais que a Revista Veja, as novelas de época da Rede Globo, ou os filmes históricos de botequim nos digam o contrário (ver Brad Pitt no papel de Aquiles estrelando o filme Troia, foi ter a certeza de que haveria desgraças piores do que o Dilúvio e as 10 pragas do Egito), mas podemos imaginar como seria essa mesma vida. Essa imaginação nos permite saber o que nos diferencia de uma outra época. É saber o que fomos para saber, agora, quem somos.

No romance Maretenebrae isso não é exceção. Apesar de não se tratar de um romance histórico, já que não é passado em nenhum momento da história humana, mas sim em um outro universo, a história faz menção a alguns aspectos da Idade Média europeia - século V ao XV, a rigor - período o qual muitos imbecis insistem em chamar de Idade das Trevas (também assunto para futuras postagens): valores deixados de lado na sociedade contemporânea, como a própria divisão hierárquica entre nobres e plebeus (que não se confunde, em absoluto, com a divisão entre ricos e pobres que temos hoje); honra (se alguém, hoje, sente a sua honra ferida, não pode simplesmente se vingar, já que quem detém o poder coercitivo legítimo é somente o Estado; o espírito de religiosidade (digam o que quiserem, mas os indivíduos do século XXI, ao menos do lado ocidental do mundo, apesar de afiliarem-se a agremiações religiosas de toda ordem, são infinitamente menos religiosos do que no período medieval). Quando Nietzsche disse, lá nos finais do século XIX, que "Deus está morto!", ao contrário do que muitos cristãos ignorantes (e veja, nem todos o são) acreditam, não significa que estivesse fazendo alguma apologia ao ateísmo. Ao contrário, estava constatando as transformações pelas quais a sua sociedade passava. O mundo ficou desencantado. Não se tem mais exemplos de experiências miraculosas e sobrenaturais (é claro, sem contar o teatralismo das Igrejas Neopentecostais em busca de dinheiro). Quem governa o mundo não é o sentimento religioso, mas sim o capital, o dinheiro, o bem-estar. Não é à toa que muitos procuram igrejas, não para salvarem suas almas, mas sim sua pele. Templo é dinheiro e pequenas igrejas grandes negócios...

Nem sempre as coisas foram assim. Os indivíduos acreditavam em Deus (ou nos deuses) por que aquilo lhes fazia bem, lhes trazia conforto e segurança, era um elemento constitutivo de sua existência (assim como os cartões de crédito o são para muitas pessoas hoje em dia).

Tentamos trazer nossa narrativa para o mais verossímil possível. Não é Tolkien, mesmo por que não temos (e acredito que nunca teremos) a genialidade e a singeleza de suas ideias. Não estamos tão imersos no mundo da fantasia, felizmente, ou infelizmente, depende do ponto de vista do nosso leitor. Porém, também não é história, ainda é literatura.

Enfim, e se a história sem a literatura é como uma bela mulher de mau hálito, a literatura sem a história é como um cavalo puro sangue puxando carroça.    

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