quarta-feira, 18 de abril de 2012

De volta à Roda da Fortuna


Por R. M. Pavani


Saudações...
Como a Roda da Fortuna não pára nem pode parar, continuemos com a discussão do post anterior.

A imagem da "Roda" da Fortuna, isto é, da circunferência que gira infinitamente controlando nossas ações, criada no mundo clássico e desenvolvida ao longo de toda a Idade Média - era em que alguns imbecis, ignorantes e mal informados insistem em chamar de "Idade das Trevas", é bastante interessante.


Tão poética quanto esclarecedora. Como discutido no post anterior, a Fortuna se refere ao acaso, a tudo aquilo que não temos controle. Por essa via de pensamento, os homens são levados a crer que não são donos de si. E mais, há momentos em que você pode estar bem, feliz e satisfeito (ganhou na loteria, uma mulher se apaixonou por você, o seu vizinho funkeiro mudou de residência...), ou seja, está na parte de cima da roda, como também pode estar por baixo (todo o seu dinheiro foi roubado, a mulher apaixonada era uma lunática que arruinou com a sua vida, e o seu vizinho funkeiro mudou de endereço para poder aliciar a sua filha longe da sua vigilância...). 

É como diz a letra da música Roda Viva, do genial e incomparável Chico Buarque de Holanda (cujo pai, Sérgio, foi um dos maiores historiadores do Brasil, quiçá do mundo...):
"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...(4x)"

Nos últimos versos da primeira estrofe, Chico utiliza a palavra "destino" no sentido de "vontade própria", isto é, no sentido que demos no post anterior para a sociedade liberal moderna: "os homens fazem os seus próprios destinos". Ou seja, aqui, o artista está colocando Destino (vontade) e Fortuna (acasos) como conceitos distintos, antagônicos e/ou contraditórios. Ele fez isso porque a arte lhe concede o direito à licença poética e, enfim, por que ele sabe ser muito melhor do que eu com as palavras. Seja como for, e diferentemente de Buarque, coloquemos Destino e Fortuna em um mesmo plano. Vamos partir do princípio de que ambos dizem respeito ao involuntário. Aconteceu e pronto! Porém, mesmo no sentido que buscamos analisar aqui, eles não são a mesma coisa. Vejamos por quê.

Um dos sentidos da Fortuna, como vimos, é a sorte e o acaso. E um dos sentidos do acaso é, exatamente, tudo aquilo que, além de acontecer sem se importar com a vontade dos indivíduos, também acontece sem uma causa aparente (a-caso, sem causa). Trata-se de um aleatório absoluto. Os gregos e os romanos diziam que a Fortuna era justa porque caprichosa, por favorecer e prejudicar as pessoas independentemente de sua condição jurídica e social. Partindo do princípio de que as pessoas, em sociedades como essas, já nascem desiguais (perante a lei e perante tudo), elas são iguais em apenas um aspecto: todas estão presas à roda da fortuna, a situações as quais não desejaram ou escolheram. Todos são tratados da mesma forma, nesse sentido. Se compararmos novamente com a nossa sociedade moderna, veremos que, como os homens são totalmente responsáveis pelos seus atos (partindo das mesmas condições de liberdade, já que todos iguais perante a lei), a desigualdade entre eles não será somente natural, mas também moralmente justa. Os conceitos de justiça também são diferentes.

Uma visão de mundo fatalista (que crê no destino ou no fado) é sutilmente diferente. Apesar de também dizer respeito a um conjunto de fenômenos  que acontecem independentemente da sua vontade, parte do princípio de que existe um plano já traçado para cada um dos seres humanos. Se as coisas acontecem, para o bem ou para o mal, não é "por acaso", mas sim porque algo ou alguém ou alguma inteligência superior, como Deus ou os deuses, assim o quiseram. Por exemplo, se partirmos da premissa de que existe um Deus onisciente, isto é, que sabe de tudo o que aconteceu, acontece e ainda está por acontecer (já que tudo está traçado e definido), e ele determinou que você, antes do seu nascimento, quando crescesse se tornaria um homem pobre, não adianta você estudar, trabalhar, ganhar na loteria, etc., sua sina já está traçada. Por quê? Ora, pergunte para Deus, foi Ele quem criou as regras que comandam o universo. Tecnicamente, Ele só dá satisfações a Ele mesmo. Nesse ponto de vista, não existem coincidências, apenas o inevitável.

Um exemplo clássico desse tipo de concepção são as tragédias gregas, entre as quais uma das mais famosas é a história de Édipo. Falaremos dela no próximo post.

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