domingo, 23 de janeiro de 2011

Sobre o capítulo II

R.M. Pavani


Descrever batalhas nunca é fácil, e esse capítulo não foi exceção. Comecei a escrevê-lo numa folha simples de papel, ao contrário das demais partes da obra que foram, em sua maioria, elaboradas diretamente no computador, antes de me encontrar com LP para mais uma reunião. É difícil ter de fugir dos clichês e lugares-comuns e, simultaneamente, manter o leitor agarrado à narrativa. Creio ser uma das partes mais emocionantes de todo o livro, pois, do início ao fim tem-se a sensação crescente de terror e aflição. Por mais que se pense em um contra-ataque ou salvação milagrosa, sabe-se, desde o início, que os soldados da Ordem já têm seus destinos selados. Algo semelhante encontramos no clássico do Western "Era Uma Vez No Oeste" (no original "Once Upon a Time in the West"), do italiano Sergio Leone. Tal qual na obra cinematográfica, o capítulo 2 de A Queda de Sieghard tem um ritmo que pretendeu criar a sensação dos últimos suspiros que uma pessoa exala antes de morrer. É, do começo ao fim, uma dança da morte. Todos os defensores do reino, embora sejam muitos e tenham coragem, têm consciência de que não chegarão vivos ao final.

Portanto, como não podíamos contar com o elemento imprevisibilidade, tivemos que chamar a atenção de outras maneiras. A descrição das máquinas de guerra inimigas, por exemplo, é soberba. Tentamos, da mesma forma, mostrar um pouco sobre os antagonistas. Eles não são vilões no sentido mais estrito do termo. Nem representam, tal qual Sauron, o Senhor do Escuro, na Obra de Tolkien, a essência do mal. Em Maretenebrae não existem maniqueísmos, mocinhos e bandidos, etc. Há sim uma disputa entre Ordem e Caos, termos presentes em diversos jogos de RPG para descrever as características comportamentais de um personagem. Ordem e Caos não se confundem com o dualismo Bem e Mal, existente desde as religiões pérsicas até o cristianismo.

Por exemplo, personagens que acreditam na Ordem argumentam que a lei, a sociedade e a organização são forças importantes, senão vitais, do universo. As relações entre povo e governo existem naturalmente. Filósofos ordeiros sustem a ideia de que a ordem não é uma criação do homem, e sim uma lei natural do universo. Embora o homem não crie estruturas disciplinadas, é sua obrigação integrar-se e trabalhar dentro delas, ou então o próprio cerne da realidade entrará em colapso. Para mentes filosóficas, a devoção à ordem manifesta-se na crença de que leis devem ser feitas e obedecidas, ao menos para que existam regras compreensíveis regendo a sociedade. As pessoas não devem buscar vingança pessoal, mas precisam levar suas queixas à autoridade competente. A força vem da união de propósitos, como pode ser visto em guildas, impérios e cultos poderoso. Por outro lado, os que acreditam no caos afirmam que não há qualquer tipo de ordenamento natural ou equilíbrio no universo. Eles vêem o universo como uma sucessão e coisas e acontecimentos, alguns relacionados entre si e outros completamente independentes. Os defensores do caos tendem a afirmar que as ações individuais são as responsáveis pelas diferenças que existem no mundo, e que os eventos de um determinado local não têm como afetar o cerne da realidade, a meia galáxia de distância. Filósofos do caos acreditam no poder do indivíduo sobre seu destino, e podem ser encontrados em nações anárquicas. Mais pragmáticos, os não-filósofos reconhecem que a função da sociedade é proteger os direitos individuais de cada cidadão. Seres caóticos são difíceis de governar como um grupo, uma vez que colocam seus próprios desejos e necessidades acima dos da sociedade.

Isso não quer dizer que um personagem e/ou conjunto de personagens ordeiros é necessariamente "bom", nem tampouco um ser caótico confunda-se com "mau". Bem e mal são invenções históricas, que podem variar de sociedade para sociedade, de acordo com os costumes e leis a seguir. Um inquisidor medieval torturava e condenava pessoas à morte agindo com a melhor das intenções. Um sacerdote asteca arrancava o coração de pessoas em oblação, por acreditar que semelhante ritual seria bom para a sua comunidade. Hitler, quando ordenou a morte de 6 milhões de judeus, estava agindo dentro da lei, isto é, de acordo com a vontade (ou omissão) da maioria dos cidadãos alemães. Seria pouco inteligente chamar cada um desses três personagens de "mau", ao passo que "ordeiro" se aplicaria com muito mais clareza. Por outro lado, Robin Hood era um fora-da-lei, um criminoso e marginal, pois cometia atos delituosos, que atentavam contra o que havia estipulado a autoridade do Duque de Nottingham. No entanto, boa parte do que roubava ia para pessoas pobres e necessitadas. Um dos maiores anti-herois dos quadrinhos - Batman - é um exemplo semelhante. Ele mesmo possui seu próprio código de conduta, sendo que não matar é uma de suas premissas, mas isso não quer dizer que não possa furtar, sequestrar, invadir a casa de pessoas, fazendo um trabalho que, teoricamente, caberia apenas à polícia. Alcapone, um dos maiores gângsters de todos os tempos mandava flores para sua mãe nos finais de semana. Paulo Maluf, Antônio Carlos Magalhães e tantas outras personalidades políticas importantes, embora comprovadamente tenham agido contra a lei, cometendo os mais diversos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, além dos clássicos crimes eleitoriais, são amados e idolatrados por muitos, como figuras bondosas e caridosas, que se importam com os menos favorecidos. Um dos nossos ícones políticos - Getúlio Vargas - possuía a alcunha curiosa de "Pai dos pobres e Mãe dos ricos". Esses exemplos apenas servem para mostrar como a realidade é bem mais diversificada do que alguns insistem em analisar como "bonzinhos e mauzinhos". Tal ideia serve bem à educação de crianças pequenas, mas não como forma de compreender o mundo que nos cerca. Em nosso livro tentamos fazer algo semelhante. Este capítulo é apenas um simples passo, ainda há muito mais!

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