domingo, 13 de maio de 2012

A tragédia de Édipo (parte 1)


Por R. M. Pavani


Alegrai-vos, concidadãos de Sieghard!
Continuando a nossa discussão sobre Destino, Fado, Fortuna, etc., falaremos sobre um dos mais belos e conhecidos conjuntos de tragédias gregas. Além de serem belíssimos, nos servem de exemplo para mostrar como funciona a cosmovisão das sociedades greco-romanas (e também em Maretenebrae), mergulhadas na ideia que ninguém é dono de seu próprio destino. Ao contrário, estão todos sujeitos a forças e eventos que escapam às suas vontades. Marionetes nas mãos dos seres supremos... Trata-se da Trilogia Tebana de Sófocles (496 a.C.- 406 a.C.): Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona. As três peças contam os infortúnios de Édipo, filho de Laio, o sujeito que, devido aos desígnios providenciais do Destino, isto é, da vontade dos deuses, mata o pai e toma por mulher sua própria mãe, tendo quatro filhos a partir dessa relação incestuosa e abominável. Para não ver sua própria desgraça, Édipo fura os olhos desesperado, condenando-se a viver para sempre em total amargura e escuridão.

Mas como tudo isso aconteceu? Perguntemos às autoridades no assunto. O professor Mário da Gama Cury nos resume da seguinte forma a primeira peça - Édipo Rei - que é a que realmente nos interessa aqui:
"Laio (Laios), filho de Lábdaco (Lábdacos) nutrira em sua juventude uma paixão mórbida por Críspio (Crísipos), filho de Pêlops, inaugurando assim, segundo autores gregos, os amores homossexuais. Laio raptou Crísipo e foi amaldiçoado por Pêlops, que desejou a Laio o castigo de morrer sem deixar descendentes. Posteriormente Laio casou-se com Jocasta (Iocaste), irmã de Creonte (Crêon), e tornou-se rei de Tebas.

Apesar de um oráculo haver-lhe anunciado que, como castigo por seus amores antinaturais com Crísipo, se nascesse um filho dele e de Jocasta esse filho o mataria, Laio tornou-se pai de um menino. Para tentar fugir à predição do oráculo, mandou Jocasta dar o recém-nascido a um dos pastores de seus rebanhos, após perfurar-lhe os pés e amarrá-los. A ordem foi abandoná-lo no Monte Citéron (Citáiron) para morrer naquela região inóspita, na esperança de fugir assim à decisão divina. O pastor, entretanto, movido pela piedade, salvou a vida do filho de Laio e de Jocasta e o entregou a um companheiro de profissão, que costumava levar os rebanhos de Pôlibo (Pôlibos), rei de Corinto, às pastagens situadas no vale do Citéron.

Esse pastor levou o menino, chamado Édipo em alusão a seus pés feridos e inchados (Oidípous = Pés Inchados), a seu senhor, o rei Pôlibo, que não tinha filhos e viva lamentando-se por isso. Pôlibo e sua mulher Mérope criaram Édipo como se fosse filho deles. Quando Édipo chegou à maioridade, foi insultado por um habitante de Corinto, embriagado, que o chamou de filho adotivo. Diante dessa revalação, Édipo se dirigiu sozinho a Delfos, para consultar o oráculo de Apolo (Apôlon) a respeito de sua ascendência. O deus nada lhe disse quanto à sua pergunta. Mas revelou-lhe que ele um dia mataria seu pai e se casaria com sua própria mãe. Édipo, supondo que Pôlibo fosse seu pai e Mérope fosse sua mãe, resolveu não voltar jamais a Corinto.

Naquela época os habitante de Tebas estavam alarmados com a Esfinge, que vinha devorando os tebanos, incapazes de decifrar os enigmas propostos pelo monstro, pondo em perigo a cidade toda. Em sua fuga ele passava pelos arredores de Tebas quando, em uma encruzilhada de três caminhos, avistou um carro em que vinha um homem idoso seguido por criados. O homem gritou-lhe insolentemente que deixasse o caminho livre para seus cavalos passarem e um dos criados da comitiva espancou Édipo. Este reagiu e matou o homem que vinha no carro, sem saber que tratava de Laio, seu pai, e os criados que o acompanhavam, à exceção de um, que fugiu.

Em seguida Édipo chegou à Tebas, passando pela calamitosa Esfinge, decifrou o enigma que esta lhe propôs. A Esfinge desapareceu e Tebas, salva daquele flagelo fez de Édipo o rei da cidade e lhe deu em casamento Jocasta, viúva de Laio e, portanto, mãe de Édipo. Estavam assim realizadas as suas predições do oráculo, embora Édipo e Jocasta permanecessem na ignorância da imensidade de seu infortúnio. Por muitos anos Édipo governou Tebas como um grande e valente rei; de seu casamento com Jocasta nasceram duas filhas - Antígona (Antígone) e  Ismene - e dois filhos - Polínices (Polineices) e Etéocles - , que cresciam em meio à paz e à prosperidade aparentemente presentes no palácio real. Os deuses, todavia, estavam atentos aos fatos nefandos resultantes da desobediência aos seus oráculos, e no devido tempo fizeram tombar sobre Tebas uma peste que lhe dizimava os habitantes. Compelido pela calamidade, Édipo enviou seu cunhado Creonte a Delfos a fim de consultar o oráculo sobre as causas da peste e os meios de contê-la.

Nesse ponto começa o Édipo Rei.

A peça gira em torno da descoberta por Édipo dos fatos terríveis que motivaram o castigo divino - a peste. Sob certos aspectos o Édipo Re pode ser considerada a primeira peça policial conhecida. Com efeito, a partir da volta de Creonte com a resposta do oráculo, há um crime - o assassínio de Laio -, um investigador interessado em elucidá-la e punir o culpado, a busca às testemunhas, ao assassino, interrogatório e finalmente a descoberta do criminoso. E a descoberta resulta quase inteiramente da insistência do próprio criminoso em elucidar os fatos. Édipo, que já mandara Creonte, seu cunhado, consultar o oráculo, desencadeando os acontecimentos que levariam à identificação do culpado, manda buscar o adivinho Tirésias (Teiresias) e o obriga a falar, apesar da relutância do velho profeta.

Insistindo sempre em seu propósito, Édipo dá ordens para trazerem à sua presença o idoso pastor, testemunha em sua juventude do assassinato de Laio. Levado por essa obstinação em descobrir o assassino - em descobrir-se - Édipo chega a pensar num conluio de Tirésias e Creonte para destituí-lo do poder. Essa acusação obriga Creonte a aparecer para defender-se, dando origem a uma discussão que resulta na interferência de Jocasta, interferência esta que apressa a descoberta. Tudo isso ocorre dentro de um encadeamento perfeito. Os acontecimentos surgem uns dos outros com a naturalidade da vida real, embora com a precisão, a força e a beleza da arte, que nas mãos de Sófocles e no Édipo Rei chega à perfeição.

O único elemento fortuito dessa sequência de acontecimentos encadeados é o aparecimento do mensageiro vindo de Corinto, puramente acidental mas de grande importância, pois foi a sua revelação, com a melhor das intenções, de que Édipo não era filho de Pôlibo e Mérope, que precipitou a descoberta. Essa exceção, todavia, parece destinar-se a demonstrar que, ao lado da inexorável justiça divina, o acaso, sob a aparência dos fatos simples da vida, concorre igualmente para a descoberta e punição dos culpados. Também nesse detalhe Sófocles foi genial. O Édipo Rei, entretanto, é muito mais que uma simples peça policial; é talvez a mais bela de todas as tragédias gregas e, certamente, uma das mais perfeitas de todos os tempos."

(CURY, M. G. Apresentação. In: SÓFOCLES. Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007).

Mais análises nos próximos posts!

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2 comentários:

Gustavo disse...

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Pedro Diniz