domingo, 19 de fevereiro de 2012

Nomes e linguagens

Por R. M. Pavani

Saudações, caros amigos maretenebrianos...
Nosso lendário professor J. R. R. Tolkien já dizia que é possível fazer uma história (e um mundo de histórias, por que não?) a partir de um único nome, de uma palavra, conjugada de seu significado. Por exemplo, para quem não sabe, o nome de um dos maiores amigos e companheiros de Frodo Bolseiro - Samwise - na verdade significa "meio-sábio", "pouco-sábio", "tolo", etc. Isso nos leva a crer que Tolkien pensou primeiro no nome para, só depois, dar vida ao personagem, procurando ligar o significado dela com o papel do personagem na história.

Apesar de ser uma prática muito comum nos livros de literatura fantástica, a questão do nome e de seus significados, são mais antigas do que possam parecer. No mundo antigo e medieval, seja na Europa ou mesmo nas culturas americanas anteriores ao choque de culturas iniciado a partir do século XVI, o nome de alguém, ou de alguma coisa, ou de algum lugar, estava muito ligado ao que ele era ou representava. Seja na vida real ou nas literaturas. Foi assim com os nomes bíblicos: a) o patriarca Abrão ("grande pai"), que tornou-se Abraão ("pai de muitos"), ao qual os judeus (como também os árabes, que o chamam de Ibrahim) consideram como o primeiro ancestral; b) Adão ("homem" ou "feito da terra"), o primeiro ser humano, criado a partir do barro; c) Jesus ("Iahweh é a salvação", mesmo significado de "Josué"), Josué foi o primeiro dos chamados juízes hebreus, liderando seu povo na conquista da Terra de Canaã. Jesus, por outro lado, é considerado pelos cristãos como o salvador da humanidade, não no sentido físico, mas sim no espiritual, isto é, aquele que mediante o seu sacrifício, salvou as pessoas do pecado e da danação eterna. E isso só para citar alguns exemplos. Como se os cronistas bíblicos primeiro concebessem a função do personagem, dando-lhe um nome, e depois pensassem em desenvolver suas características.
Na mitologia greco-romana as coisas não são diferentes: a) o grande herói Héracles (Hércules, para os romanos e, de tabela, para nós mesmos) significa "glória de Hera". Hera, sua madrasta, esposa de Zeus, por motivos de ciúme e inveja, já que Hércules simbolizava a infidelidade de seu marido com uma mortal, o deixou louco, a ponto de ele matar seus próprios filhos; b) o titã Prometeus tem seu nome derivado de "providência", pois foi ele que proveu os homens do fogo dos deuses, isto é, do conhecimento; c) Édipo, o herói que decifrou o enigma da Esfinge, e que, por isso, se tornou rei da cidade de Tebas, significa "pés inchados" (um nome pouco glorioso), mas essa era uma de suas características físicas: Édipo teve os pés furados ao nascer.
Até mesmo os nomes dos deuses astecas, como Quetzalcóatl - deus do céu e criador dos humanos - tem o significado de seu nome em sua própria característica - "serpente com pés", a maneira como ele era apresentado. Tlaloc - o deus da fertilidade, da chuva e da agricultura - significava simplesmente "da terra", ou seja, que está relacionado com ela, que dela deriva, etc.
Saindo da literatura e da mitologia e indo para a vida real, podemos analisar os nomes dos filhos das elites romanas: Primus, Secundus, Tercius, Quartus, Quintus, Sextus, Septimus, Octavius, Nonus e Decimus, nada mais são do que o número do filho homem dentro da família. O primeiro imperador romano, Otávio Augusto, era o OITAVO (Otávio é a forma aportuguesada de Octavius) filho homem de sua família (sim, as pessoas tinham muitos filhos...), e o título de Augusto (Augustus) lhe foi concedido por mérito, e significava "o divino".
Muitas vezes, também, o nome da pessoa vinha acompanhado de uma característica peculiar sua, que a distinguisse dos outros, ou de seu local de origem: Ciro, o Grande (rei da Pérsia); Agostinho de Hipona (cidade antiga do norte da África); Aristóteles, o estagirita (nascido em Estagira); Plínio, o Velho (para se diferenciar de Plínio, o Jovem, seu sobrinho). Na Idade Média, então, as coisas ficavam ainda mais claras: Pepino, o Breve; Ricardo, Coração de Leão; Luís, o Piedoso; Carlos, o Calvo, e por aí vai... essa marca medievalesca também foi legada à modernidade, por meio das narrativas fantásticas.
A mim me parece, porém, que esse encantamento, que essa ligação entre o nome e a pessoa deixou de existir há muito tempo. Na sociedade pós-moderna, em que não há muita preocupação com regras e normas, já não se encontram mais pais que queiram dar aos filhos nomes que lhes digam respeito, quando muito, homenageam a si próprios, como quando os pais católicos colocam nomes de santos (Luiz, Antônio, José, Pedro, Lucas, etc.) aos filhos, ou quando pais de confissão pentecostal lhes batizam com nomes de figuras conhecidas (ou não) do Antigo Testamento (Salatiel, Calebe, Joabe, Davi, etc.); judeus também seguem esse costume (Jacó, Isaac, Abraão, Habacuc, etc.); assim como muçulmanos (Mohammed, Ali, etc.). Em todos esses casos, não se está identificando a pessoa em si, mas sim os seus pais. Ou seja, mostra  ou quer mostrar para todos que a referida criança pertence a uma família religiosa, não necessariamente se importando se, no futuro, ela mudará a sua conduta.
Em Maretenebrae - a Queda de Sieghard, buscamos retomar essa interessante nostalgia. A mesma que inspirou, e ainda inspira tantos autores modernos, que esteve presente na história da humanidade desde os tempos mais remotos, até a formação das mais complexas civilizações. Aliás, o próprio nome do reino unificado - Sieghard ("difícil vitória") faz referência à maneira trabalhosa e sofrida pela qual as várias províncias conseguiram eliminar as suas diferenças, abrindo mão de sua autonomia em nome de uma segurança e de um rei que servisse como árbitro dos conflitos em questão. Cada um dos nomes foi pensado com carinho e cuidado, para que realmente estivesse coadunado com o papel do personagem (ou da localidade) na narrativa. Eis alguns exemplos:
* Os sete protagonistas: Heimerich ("senhor da casa", filho mais velho de Sir Heinrich, portanto, o sucessor de seu título e herdeiro de todas as suas posses); Braun ("marrom", devido à coloração de seus cabelos; veremos que Braun possui irmãos com outros nomes semelhantes); Roderick ("famoso poder", devido, ao mesmo tempo, às habilidades e à personalidade performática do personagem); Formiga, cujo nome verdadeiro é Brogan ("sapatinho", devido à sua baixa estatura); Petrus ("pedra", nada mais simples para se referir a uma figura simplória como ele); Victor ("vitória", dado após seu difícil parto) e Didacus ("professor", título dado em sua ordem); Chikara ("vigor", fazendo referência ao afinco com o qual a personagem estuda e procura desvendar os enigmas que passam pelo seu caminho).
* As regiões do reino: Bogdana ("dado por deus"); Salácia (nome derivado de "sal", por ser uma região marítima); Azaléos ("seco", tal qual o clima e o solo do local); Everard ("javali selvagem", fera símbolo da região); Sevânia (derivado de "Sevan", o maior lago da Armênia, referência ao Grande Lago); Vahan ("escudo", devido aos cinturões de pedras).
* As principais cidades: Véllamo ("onda", já que se trata de uma cidade portuária); Kemen ("coragem", por se tratar de uma cidade de guerreiros); Muireann ("mar justo"), só para citar alguns exemplos.
* Alguns outros personagens: Fearghal ("homem de valor"), Driskoll ("filho de mensageiro"), Bahadur ("valente, guerreiro", pai de Braun), e por aí vai.
Nem todos os personagens, porém, possuem nomes relacionados às suas características. Nomes como Marcus, Nikoláos e Agar Sa'arogam foram criados com outra intenção, pode ser que nós autores, mais dia menos dia, resolvamos explicá-la...
Os nomes usados em Maretenebrae provêm das mais diversas origens (desde inglês ao neozelandês arcaico). Apenas cuidamos para que nomes de pessoas próximas (ou de lugares próximos) tivessem a mesma origem.
Sugerimos aos leitores o acesso ao site www.behindthenames.com, a nossa principal fonte.

Um forte abraço a todos.

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