terça-feira, 3 de abril de 2012

A Roda da Fortuna

Por R. M. Pavani





Saudações, amigos e amantes da obra Maretenebrae - A Queda de Sieghard!!!!!

Para princípio de conversa, não, esta postagem não diz respeito àquele antigo quadro de premiações do Programa Sílvio Santos ("Vamos rodar as rodas da fortuna..."), mas a algo muito mais complexo e interessante do que simplesmente ganhar dinheiro fácil. Na verdade, porém, o Homem do Baú estava fazendo referência a um dos sistemas de pensamento mais antigos da humanidade, presente nas mais diversas culturas e sociedades. Ainda que de maneira superficial, vamos tentar explicar o motivo dessa postagem, bem como a definição para o conceito de Fortuna a seguir.


Antes de mais nada, Fortuna aqui, assim como em seu significado original não diz respeito a uma grande quantidade de riqueza material (como quando se diz que o Tio Patinhas possui uma grande fortuna em seus 3 acres cúbicos de dinheiro). Aliás, Fortuna não é algo necessariamente positivo. Trata-se, simplesmente, do acaso, do aleatório, da sorte que governa o mundo e a todos nós em nossas vidas. Por isso, se diz que alguém é afortunado, isto é, possui uma boa fortuna, é feliz porque a sorte lhe foi favorável; ou então, ao contrário, desafortunado seria aquele sem sorte, infeliz. Se observarmos que os termos em inglês para "felizmente" e "infelizmente" são, respectivamente, fortunately e unfortunately, ambas palavras derivadas de fortune e, por conseguinte, do latim fortuna, tornaremos essa relação ainda mais clara.


Entretanto, com o tempo, fortuna deixou de significar "sorte", dando lugar a sua variante "boa sorte", "felicidade" e, logo em seguida, "riquezas". Essa mudança de sentidos dentro de uma mesma palavra certamente está conjugada com a ascensão, o desenvolvimento e a consolidação das ideias liberais, do liberalismo, as quais enfatizam que todo o homem faz a sua própria sorte, cada um é livre para prosperar ou não, de acordo com seus próprios méritos.



Em termos mais amplos, para a sociedade contemporânea, fruto indigesto de visões de mundo como essa, não existe "sorte", "acaso", "aleatoriedade": cada um de nós é única e diretamente responsável por seus atos, seus fracassos e seus sucessos. Usando uma linguagem vulgar: não adianta colocar a culpa nos outros, em Deus, na família, no governo, no sistema, etc. Por essa ótica, todos nascem iguais em liberdade de iniciativa, portanto, chega na frente quem for melhor (e não o "bem-afortunado"), e ficam para trás os preguiçosos e estúpidos (não os "azarados"). É isso o que reza na maior parte das constituições dos países do mundo, como princípio fundamental (ou como os juristas gostam de verborragizar: "é cláusula pétrea!" Pomposo, não?).


No entanto, a ideia de que  um homem pode ser senhor do seu próprio destino não é tão antiga assim (remontam ao século XVII, talvez). Se levarmos em consideração que esses princípios só se aplicariam a homens nobres e passou a ser popular só muito mais tarde (século XIX), nos resumimos a pouco mais que 150 anos de história. Conceitos e visões tão conhecidas e tão alardeadas, tidas como dogmas e verdades de fé para quase todas as pessoas, não possuem nem meio milênio de existência. Em contrapartida, o Homo sapiens já caminha por essas bandas há mais ou menos 120 mil anos. Algo está errado. Se a sorte não governa mais o mundo (a menos que você seja um jogador ou apostador inveterado na expectativa de ganhar uma bolada na Mega-Sena da virada...), o que havia antes? Em quê se acreditava?


Os antigos gregos e romanos, dos quais somos parentes próximos (assim como os "bárbaros" germânicos que por lá andavam), como em todas as sociedades com uma pitada de criatividade, eram politeístas. Criam em vários deuses. Uma dessas divindades chamava-se Tique (para os gregos) ou Fortuna (para os romanos), a deusa da sorte (boa ou má, como dissemos anteriormente) e da esperança. Ou a prória sorte em si, a ideia da sorte e do acaso personificados. Era representada portando uma cornucópia (uma espécie de chifre gigante, contendo em seu interior todos os benefícios do mundo) e um timão (não estou falando do Sport Club Corinthians Paulista...), que simbolizava a distribuição desses bens e a coordenação da vida dos homens. Geralmente a deusa também era retratada cega ou com a vista coberta (assim como a moderna imagem da justiça), pois distribuía seus desígnos "ao sabor da maré", isto é, aleatoriamente. A alguns a sorte era favorável, a outros não. Simples assim. "Isso não é justo", alguns podem dizer. "E quem disse que o mundo é justo?", outros podem responder. O fato é que há muitas maravilhas e muitas calamidades no universo as quais não dependem da nossa vontade para existirem. Acontecem e ponto final. Não pedem a sua opinião, nem se importam se você ficará incomodado ou não com elas. Só lhe resta recebê-las, como qualquer mortal, de forma honrada ou covarde: e é justamente aí que entra a parte referente ao mérito dos homens, à sua liberdade de ação e às suas vontades. Quer dizer, os seres humanos são livres, porém, dentro de um conjunto muito maior de eventos involuntários, aos quais se poderia dar o nome de vontade dos deuses, ou, simplesmente, "acaso", "sorte", "fortuna". E, por que não dizer, "destino"?


Continuarei a discussão nos próximos posts...

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