Por L.P.Faustini
Texto base para VII
Bienal Rubem Braga
Afinal, como escrever fantasia? Como criar um mundo
fantástico? Ou melhor, como imaginar um mundo fantástico? As crianças fazem
isso diariamente. E sabem o porque? Simplesmente porque elas não viram o bastante,
não experimentaram o bastante e não compreendem a mecânica do mundo real ainda. Cada vez mais que algo se torna comum, menos fantástico ele se torna. E o que torna qualquer coisa
fantástica é o ineditismo, seja de uma ação, seja de uma visão. Mesmo para nós,
adultos, quando nos deparamos com uma paisagem que nunca vimos antes, que nos
cativa, uma nova tecnologia, ou um animal
que nem os livros da escola nos mostraram, a primeira coisa que fazemos é
deixar cair o queixo e pensar: isso é fantástico!
Na mente de uma criança há muitos mundos fantásticos |
Partindo desta afirmação – de que o fantástico é algo inédito
e surpreendente, inventado ou não, existente ou não – então você já possui um ponto de partida para criar o seu
universo: criar algo inédito e surpreendente. Mas não pense que é tão fácil
assim. Ao contrário do mundo imaginado pela criança, a fantasia formal (como
podemos apelidar) ela tem, sim, a sua mecânica de mundo. E para que possamos
pensar em uma mecânica fantástica, temos que, pelo menos, entender um pouco
sobre o mundo real e suas relações políticas, sociais, religiosas, geográficas
e econômicas.
Vejamos por exemplo, em O Senhor dos Anéis, Tolkien nos
apresenta raças (elfos, anões, humanos, orcs, etc), cada uma delas inserida em
uma cultura, com costumes e valores éticos e morais diferentes, e ainda assim, relacionadas
entre si através de um histórico de alianças politicas, econômicas, guerras e
atos de heroismo. Tolkien não fez isso deliberadamente, ele sabia que precisava
fazer isso, porque mesmo que o universo seja fantástico, ele precisava ser
crível. E é isso (além do enredo) que difere uma boa fantasia de uma fantasia
ruim.
Culturas diferentes e alianças políticas |
No momento que começamos a escrever a nossa trama fantástica,
precisamos que o leitor entenda o contexto que se passa naquele mundo. Todos
nós, como indivíduos, estamos inseridos em um contexto, seja ele local,
regional ou global; micro ou macro. Com os protagonistas de sua história, não é
diferente. Há autores que passam este contexto de uma vez só, de modo geral em
um prólogo, e há outros que o passam paulatinamente com o desenrolar da trama.
No caso da saga que escrevo, Maretenebrae, um rei acaba de
assumir o trono depois de um período regencial de 20 anos, instaurado logo após
o rei anterior ter desaparecido sob suspeita de conspiração. Esse é o contexto
político local. Há pessoas que acreditam que o antigo rei morreu, outros
acreditam que ele ainda está vivo. E desse contexto, podemos daí aproveitar
muitas outras boas histórias que podem, inclusive, correr em paralelo à trama
principal do meu livro, que é a luta de 7 pessoas pela sobrevivência e sua
busca pela salvação de Sieghard, um reino invadido e dominado pelas forças do
Caos.
As forças do Caos atacam Sieghard, como os mouros atacaram Portugal |
“Ah, mas meu enredo é tão clichê!” – disse o aspirante a
escritor.
Mas dependendo de forma como você desenvolver a sua história,
o clichê pode até passar batido e ser ignorado.
Vejamos um exemplo: “Um líder conquistador chega em terras
desconhecidas com sua tripulação em busca de metais preciosos, minerais e madeira.
Lá, ele encontra uma tribo que oferece resistência ao intuitos dos
conquistadores. Tentando convencer os nativos a ceder, o líder conhece uma
nativa e acaba se apaixonando por ela. No final, ele luta contra seu próprio
povo para salvar a tribo”. Não parece o enredo de Pocahontas, sucesso de
bilheteria da Disney? Mas também parece Avatar, que também foi sucesso de
bilheteria 14 anos depois com A MESMA HISTÓRIA! (e eu ainda poderia citar outros
filmes de sucesso que usaram deste mesmo enredo).
Afinal, o que mudou?
O universo que James Cameron criou para Avatar é fora da curva, é excepcional. E a filmagem em Real 3D, do modo como foi feita, revolucionou o cinema.
Pocahontas e Avatar, mesma história, visões diferentes |
Portanto, não se preocupe tanto se seu enredo é clichê. Há preocupações
maiores. Se preocupe na forma de contar sua história. Aprofunde a construção do
seu mundo, seus personagens (dê boas personalidades a eles). Conquiste o leitor
com seu modo de escrever, faça com que se importem com seus protagonistas. Faça
o seu “Real 3D” funcionar, como James
Cameron fez em cima de uma trama mais que batida.
A verdade mesmo é que não existe uma receita de bolo certa
para o sucesso do seu livro, caso contrário, eu estaria vivendo da venda dos
meus (rs). Mas nem tudo é venda e lucro, não é? É certo que queremos que nossas
histórias sejam lidas, refletidas, discutidas. Escrevemos pelo simples prazer
de escrever. Porém, a fantasia é um exercício de imaginação com mecânicas
reais. É sério! Afinal, se não somos capazes de acreditar nem nas nossas
próprias histórias, quem dirá o leitor!
Agora, prepare o lápis ou os dedos, e comece a sua!
1 comentários:
Show de bola, amigo. Bem interessante o texto. Ansioso pela continuação da saga.
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